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Dragão desperto

- Ele despertou o dragão adormecido!

A frase foi no mínimo surpreendente. Depois de um final de semana no sítio, com um novo e inusitado namorado, a frase era tudo o que ela precisava e tinha a contar à neta.
Ele tinha mesmo despertado algo que dormia há tempos. A avó chamou de dragão porque parecia algo grande, incontrolável, feio e até assustador. Na verdade, era só desejo.

Essa Maria já tinha passado dos 70. Aliás, tinha acabado de completar. O inusitado namorado, que também acabara de passar dos 70, fora apresentado pela família do namorado da neta. Ela já nem esperava um amor, depois de tantos anos desquitada. Mas ele apareceu, agradou. Era viúvo, tinha renda, gostava da vida. Foram para o sítio dela para se conhecerem melhor.

Dia agradável. Muitas conversas. Cada um tinha mais de 70 anos para escolher boas histórias. E tinham boas histórias para contar.

O dia passou devagar. À noite, na hora de se recolher, com os dois quartos preparados para o descanso, ele disse, quase sussurrando:
- Não bato em porta fechada.

Bastou.

Ela ouviu em silêncio. Ainda se perguntou, mas não fechou a porta.

Ele não bateu. Entrou. Entrou pela porta. Entrou pelos cobertores. Entrou pelos limites. Entrou pelos esconderijos. Entrou pelas vergonhas. Entrou pelo desejo. Entrou pela alma.

Marcou para sempre a sua vida.


“... caminhavam juntos, com seus passos contados,
se amando sem pressa como noivos velhos...” Gabriel García Márquez, O amor nos tempos do cólera

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